quinta-feira, 15 de março de 2018

Artigo de Paulo Afonso Linhares

ESTADO: MÍNIMO OU MENOR?

Paulo Afonso Linhares 
           

Efetivamente, mínimo e menor são coisas distintas, embora muita gente boa ache serem uma mesma e só coisa, mormente, no terreno vasto que vai da Ciência Política ao Direito Constitucional, no que pertine à classificação do Estado e sua abrangência, algo que não se encontra em verbete de muitos dicionários.

            Por Estado mínimo, sustentam os liberais (temporãos), entende-se aquele que abdica de quase toda sua capacidade interventiva na esfera privada, deixando que a “mão invisível” do mercado cumpra esse papel, alçada à condição divina, tanto que representado pela figura mitológica de Hermes. Enfim, o Estado, essa coisa tentaculosa já descrita pelo inglês Hobbes, no século XVII, tinha pendores hipertróficos e tendia a ocupar todos os espaços políticos, já as pessoas, na sua feição de natureza, guiavam-se pelo egoísmo traduzido na parêmia de que o homem seria o lobo do próprio homem: “Homo homini lupus”.

            Daí a necessidade de contenção dessa tendência egoística através de um instrumento formado a partir da renúncia das liberdades individuais e enfeixadas na figura do soberano, a quem caberia executar uma espécie de contrato social: o Estado. Todavia, para uns, como contrafação   somente seria possível o incremento de forças sociais plasmadas noutro ente mítico, o mercado, que teria as iniciativas de produzir a riqueza das nações, conforme os postulados defendidos pelos pensadores políticos e econômicos liberais, à frente por John Locke, Montesquieu, Adam Smith, Jeremy Bentham e John Stuart Mills e outros dos séculos XVIII e XIX, além do conservadorismo liberal de Raymond Aron e Michael Oakeshott, estes bem mais modernos, cabendo-lhe, também, promover a regulação da sociedade mediante a atuação de múltiplos instrumentos fora do Estado. Nesse ponto, a origem da tão decantada e não menos milagrosa “mão invisível”.

            O liberalismo político e econômico, lados de uma mesma moeda, reinou sem contraste algum até meados do século XIX, quando a Revolução Industrial definitivamente expôs a face mais selvagem do capitalismo, que deu azo à eclosão de várias doutrinas sociais que vão do socialismo utópico com os pensadores Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Pierre Leroux (1798-1871, Louis Blanc (1811-1882), Robert Owen (1771-1858) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), ao socialismo científico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). A criação de exércitos de miseráveis pela máquina capitalista, sobretudo, na Europa Ocidental, foi algo que assustou até mesmo a conservadora Igreja Católica romana e trouxe a lume a encíclica Rerum Novarum: sobre a condição dos operários (em português, "Das Coisas Novas"), escrita pelo Papa Leão XIII e publicado em 15 de maio de 1891, que se tornou a pedra angular da “doutrina social da Igreja”.

            O pior é que, na prática, o que se viu mesmo foi a “mão boba” de um capitalismo selvagem e predatório que passou a confrontar interesses individuais e coletivos, cuja feição mais cruel teve seu debut na quebra da bolsa de New York, de 1929. A solução para a gravíssima crise se seguiu e pôs em xeque os preceitos do liberalismo econômico, ademais de possibilitar a consolidação de regimes totalitários  de esquerda e de direita – autocracias cujo ponto comum era a fortíssima presença do Estado como tutor da ordem social –, foi a genial construção teórica de John Maynard Keynes, a partir da compreensão de que, grosso modo, a mão (nem assim tão) invisível do mercado poderia coexistir com o jus imperii do Estado que, além assumir tarefas vitais da educação básica, saúde, previdência e assistência social, relações exteriores, segurança nacional, gestão econômica  e administração tributária, poderia intervir na economia tanto como agente direto ou, de modo indireto, no relevante papel de regulação de uma gama de atividades privadas e públicas.

            Essa concepção do Lord Keynes, traduzida na política do New Deal posta em prática pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, foi a alternativa eficaz às experiências autoritárias nazifascistas e do bolchevismo que tiveram ascensão no primeiro quartel do século XX. Claro, nesse contexto que perpassou os anos 1930 a 1950, e mesmo nas décadas do pós-guerra, o liberalismo clássico não mais medraria. Era algo anacrônico e sem perspectivas, embora tenha ganhando algum alento nos anos 1980/1990 com a presença dos governos Margareth Thatcher, na Grã-Bretanha, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos da América que, aliás, jamais abdicaram do caráter de Estado forte como instrumento de regulação de muitos aspectos da vida social.

            Enfim, a ideia-força do Estado Mínimo defendida por Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Murray Rothbard, Milton Friedman, Karl Menger, Frédéric Bastiat e Ayn Rand, no século XX, sobretudo, fundadores da Sociedade Mont Pèlerin, que contava, também,  com  Frank Knight, Bertrand de Juvenal, e com os ganhadores do "Prêmio Nobel" de economia Gary Becker, George Stigler, James Buchanan, Douglass North e Ronald Coase, não conseguiu firmar-se por inteiro em nenhuma nas nações do chamado “mundo livre”.

            No Brasil, a despeito das obras e ações políticas de José Osvaldo de Meira Penna, Henry Maksoud, Henri Chazan, Margaret Tse, Leonidas Zelmanovitz, Cândido Prunes, José Luiz Carvalho, André Burger, Paulo Ayres, Márcio Chalegre Coimbra, Ricardo Gomes e Olavo de  Carvalho, as ideias ultraliberais descambaram para o vazio e não conseguiram imantar a elite conservadora tupiniquim que, a exemplo de seus antagonistas da esquerda,  sempre defenderam um Estado forte, intervencionistas, paternalista e pródigo na concessão de privilégios que degradam o espírito republicano.

            Assim, enquanto os defensores do Estado Mínimo, a exemplo dos meninos do dr. Roberto Marinho, de Flávio Rocha e de uma enorme gama de empresários, profissionais liberais, servidores públicos, militares e até gente de classe media tupiniquins, tentam ressuscitar uma ideologia anacrônica e de pouca serventia, agem incoerentemente quando jamais abandonam a ideia do 
Estado provedor de tudo: no caso dos empresários mais privilegiados, adoram os incentivos fiscais de fomento às atividades econômicas, além do acesso a empréstimos com juros subsidiados do BNDES, enquanto a maioria da população brasileira paga juros anuais que beiram os 500 porcentos. Destarte, Estado Mínimo é para os outros, para a grande massa da população, jamais para os detentores de privilégios antirrepublicanos.

            Agora, para as eleições deste 2018, duas propostas liberais poderão disputar a presidência da República: a do Partido Novo (que, de “novo”, nada tem...), com a candidatura do banqueiro João Almoedo e, no bojo do Movimento Brasil 200, a do empresário Flávio Rocha, ainda sem partido. O primeiro é estreante, já Flávio Rocha foi eleito por dois mandatos como deputado federal - o primeiro pelo PFL (atual DEM), transferindo-se na sequência para o PL; e o segundo via PRN pelo Rio Grande do Norte, ademais de ter sido candidato à presidência da República pelo PL – eleição de 1994 – cuja proposta mais ‘avançada’ foi a criação do chamado Imposto Único que, posteriormente, foi implantado no governo Fernando Henrique sob o nome de Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, a famigerada CPMF, que passou a conviver com as mais de cinquenta espécies tributárias que atazanavam os brasileiros de todas as classes, cores e credos. Tudo para horror e espanto das velhas múmias liberais, tipo Hayek, von Mises e Sir Karl Popper. Coisa de liberal brasileiro!

            É bem certo que o Brasil carece de liberais autênticos. Alguns, aliás, o são até conseguir um assento no Poder Executivo ou de cunho parlamentar. Depois, tudo fazem para fortalecer o Leviatã de múltiplos tentáculos, financeiramente insaciável, perdulário e ineficiente. De direita, centro ou esquerda, neste país, todos apostam no Estado forte e que se tornou demasiado grande. Basta ver o histórico dos votos dos próprios ‘liberais’, no Congresso Nacional, sempre em reforço à presença estatal impactante, avassaladora, na vida da sociedade. E um desastre no campo da coerência. Em resumo, todo o espectro partidário brasileiro é tomado por defensores do Estado-que-tudo-pode: do Democratas (que antes tinha o nome sugestivo da Partido da Frente Liberal) ao PSTU.

            De rigor, a classificação do tamanho do Estado diz muito da visão de classe social de cada observador: para um rico empresário que possui reluzente jato executivo, apartamento em New York, Paris ou Londres, faz checapes na famosa Clínica Mayo e cura suas gripes no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo (onde até o espirro é pago...), o Estado poderoso e intervencionista atrapalha. Deve ser reduzido, minimizado. Para a maioria da população que não tem emprego nem renda, não tem acesso à escola de qualidade e morre nos corredores dos hospitais públicos, o mesmo Estado necessita ser bem maior, dar mais proteção e assistência. Enfim, depende do ângulo por onde se olha.

            Claro, sem dúvida a sociedade brasileira precisa de um Estado talvez menor –  e não mínimo –  que seja fruto da racionalização e da eficiência na gestão de suas funções primordiais de prover as atividades essenciais de educação, saúde, segurança interna e externa, relações internacionais e administração tributária, além das intervenções no domínio econômico para preservar os interesses da sociedade e dele próprio. É o Estado necessário, eficiente e imprescindível à persecução do ideal da cidadania erigida no contexto republicano. Assim, essa história de Estado mínimo somente serve a uns poucos que têm muito e não aos tantos que pouco ou nada têm. 

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