segunda-feira, 23 de março de 2015

Artigo de Paulo Linhares

O CANGACEIRO DO CEARÁ
Paulo Afonso Linhares
Confesso: até que gosto às vezes desse estilo “arrasa-quarteirão”, pois não é que tenha pavio curto, mas, na verdade, nem sempre posso detectar em mim algum pavio... Entretanto, quando a  vida tem como referência preceitos republicanos é inevitável algumas cautelas, porquanto o nosso cotidiano há de se pautar pelos viveres de outras pessoas. Daí que uma regra básica é a de que nem sempre devemos dizer o que pensamos, embora possa ser isto uma coisa justa e correta. Nesses momentos, efetivamente o silêncio tem valor do ouro mais puro.
O destempero com as palavras sempre têm consequências muitas vezes devastadoras para quem as profere. Veja o  recentíssimo exemplo do ex-ministro da Educação Cid Gomes: num desnecessário arroubo puxado a cangaceirice lampionesca, afirmou publicamente que na Câmara Federal havia “400 achacadores”.  De princípio, nada demais, pois Lula igualmente afirmou, noutro momento, que no Parlamento nacional “havia 300 picaretas”. Na época, ele próprio era deputado federal. Daí que não levaram tão a sério a assertiva, mesmo porque não ficou bem esclarecido se ele se referia a seus colegas deputados ou às ferramentas próprias para cavar à terra, as picaretas, que certamente são utilizadas largamente por diversos departamentos administrativos do Senado e da Câmara dos Deputados...

O caso do então ministro Cid Gomes foi bem pior: sem razão alguma jogou essa bomba cujo único alvo foi a própria relação –deterioradíssima –entre o Executivo federal e o Congresso. Fosse um desses ministros cujo nome sequer conhecemos, de uma pasta que jamais mereceria ser chamada “departamento” de alguma coisa inexpressiva, em nada perturbaria os céus já plúmbeos da Esplanada dos Ministérios. A coisa pegou, todavia, porque se tratava de um ministro de grande expressão para o (combalido) governo Dilma: o festejadíssimo ex-governador do Estado do Ceará que, num  gesto de enorme ousadia, conseguiu eleger praticamente um poste  (o atual governador Camilo Santana, do PT), ademais de garantir cerca de 3 milhões de votos para a candidata Dilma Rousseff às eleições de 2014. Sem dúvida, mais esse rebento do clã sobralense dos Ferreira Gomes se mostrou competente enquanto operador político, a exemplo do mano Ciro Gomes, porém, igualmente um empedernido  boquirroto.
O mais interessante é que o então ministro e ex-governador Cid Gomes, que nada tem a ver com a temperança de El Cid Campeador, como chamavam aquele nobre guerreiro castelhano Rodrigo Díaz de Vivar, resolveu diretamente afrontar os “400 achacadores”: à frente de uma enorme comitiva de políticos seus conterrâneos e correligionários, foi ao Plenário da Câmara dos Deputados para dar explicações sobre o seu gesto. Na tribuna da Câmara virou o cão-chupando-manga e colocou bem mais lenha na fogueira que arde entre o Congresso e o Palácio do Planalto, inclusive quando expressou uma postura extremamente agressiva contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a quem cobrou que “largasse o osso” antes de literalmente sitiar o governo Dilma/Temer. Um enorme e jamais imaginado constrangimento. Uma atitude em nada republicana do ex-governador cearense.  Lastimável.
A atitude jaguncesca de Cid Gomes trouxe à memória o gesto tresloucado de Antonio Tejero Molina, ex-tenente-coronel da Guarda Civil espanhola, que liderou de uma solitária  tentativa de golpe de Estado da ultradireita, em 23 de fevereiro de 1981, quando  invadiu o Parlamento espanhol a dar tiros para o alto  e fez vários reféns. Gesto patético e absolutamente fora de época e propósito. Lixo, puro lixo.
Por fim, a fanfarronice de Cid Gomes fez lembrar a atitude de Carlos Lacerda, em maio de 1957, quando fez sua defesa por dez horas seguidas perante a Comissão de Constituição e Justiça da Câmera Federal, no Rio de Janeiro, no inquérito instaurado a pedido da Justiça Militar, que conseguiu quebrar sua a imunidade parlamentar. Claro, o Corvo apesar de todos os pesares mostrou enorme genialidade. Deu um enorme banho que ainda hoje serve de lição para os que admiram os dons da oratória. Cid nem de longe conseguiu isso. Apenas agravou em muito as agruras do governo Dilma que, ao menos, deveria ser poupado disso. E nem precisa de cangaceiro algum, posto que particularmente até aprecie eu  algumas cangaceirices. É que elas só complicam neste delicado momento da vida nacional.  É osso!

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