domingo, 13 de julho de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DE FULECO E BRAZUCA

Paulo Afonso Linhares

Após profunda reflexão acerca do comportamento colaboracionista das vítimas de uma sequestro na Suécia (assalto ao Kreditbanken em Norrmalmstorg, Estocolmo, que durou de 23 
a 28 de agosto de 1973), o criminólogo e psicólogo Nils Bejerot denominou esse intrigante estado emocional de "Síndrome de Estocolmo" (Stockholmssyndromet, em sueco). Caracteriza essa síndrome o envolvimento das vítimas com seus algozes em sequestros, situações de violência doméstica e familiar, cárcere privado ou submetidas a campos de concentração. A vítima desenvolve um mecanismo de defesa e se torna dependente psicologicamente do algoz, quando busca conquistar a simpatia deste, a ponto que, mesmo depois de finda a coação física e/ou psíquica, defende o coator, inclusive para livrá-lo de sanções jurídico-penais.

A lembrança dessa típica doença psicológica aleatória, para usar o jargão técnico da Psicologia, vem a propósito do estado psicológico coletivo dos brasileiros após a monumental derrota da ex-melhor-seleção-do-mundo, de 7 a 1, para a esquadra futebolística alemã comandada pelo glacial técnico Joachim Löw. O desalento causado por esse desastre inédito na história das copas mundiais de futebol impele a maioria da população brasileira a torcer para uma vitória alemã na final da Copa 2014, no Maracanã, contra os hermanos argentinos.

Em alguns casos mais graves de comprometimento psicológico, alguns brasileiros até chegam ao absurdo de desejar uma vitória da turma de Messi, o que projeta sobre nós e nossos descendentes, até a quinta geração, uma terrível maldição que é aguentar as fanfarrices argentinas; já não é suficiente as estultices do Dieguito Maradona, a insistir que é mejor que Pelé? Nem morto e com toda cocaína que pôde aspirar superaria o nosso eterno rei do futebol. Sem sombra de qualquer dúvida, brasileiro agora torcer por uma vitória argentina contra os alemães configura doença psicológica nada aleatória; é loucura mesmo, da mais agressiva e incurável. Tarja preta de lascar os tamancos!

A despeito de todo o desencanto e frustração com a humilhante derrota sofrida pela Famiglia Scolari frente à velha  Mannschaft, como é conhecida a seleção da Alemanha, surpreendentemente as pessoas dos mais diversos rincões deste país demoraram uma nada para entender que se tratava apenas de um jogo de futebol, que o mundo não se acabou e que a vida segue seu curso,  sem que esse escorregão  da Canarinha tenha causado maior impacto. Quando vimos essa besteira do mascote Fuleco e da bola Brazuca, ficou evidente que no futebol mesmo a seleção dará com  os burros, ou melhor, com os tatus-bola n'água. E na tragédia agora já conhecida como "Mineiraço" os canarinhos do Filipão apanharam que só macaco para adivinhar dinheiro em feira. Afinal, uma coisa muito boa: o pobre homem satanizado por seis décadas como responsável pela derrota do Brasil na Copa de 1950, o goleiro Barbosa, pode agora descansar em paz, pois essa meninada de 2014, à frente o atacante Fred, que nada atacou, vai levar essa cruz por muitas décadas à frente. De Fuleco à Brazuca, o descompasso atual do futebol brasileiro, uma fratura exposta. Todavia, é forçoso reconhecer que tudo se resume a um mero jogo de futebol, algo que desperta em nós aquela dimensão eminentemente lúdica, uma brincadeira que galvaniza a atenção de todos os povos do mundo e movimenta montanhas de dinheiro.

Entretanto, como reza o provérbio português, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa." Por isto, são bem distintas as posições da seleção brasileira de futebol e do Estado brasileiro na condição de anfitrião da Copa 2014. Se a seleção deu com a cara no chão o mesmo não ocorreu com o Brasil, nos seus diversos níveis de governo, apesar do descrédito inicial, inclusive de parte da própria FIFA. Com efeito, neste aspecto e a despeito de todos os percalços que cercam um evento dessa magnitude, a atuação do Estado brasileiro, mormente do governo federal, foi coroada de êxito. Tanto que até esse sucesso na realização  da Copa 2014 atenuou o enorme vexame que sofremos dentro das quatro linhas para o pragmático futebol alemão. Isto sem falar numa ponta de constrangimento que se apoderou destes, a exemplo do técnico Löw, que até procurou consolar os anfitriões brasileiros com palavras amáveis.

Consolo por consolo, vale mesmo lembrar que  a  Nationalelf, outra alcunha da seleção alemã, levou uma chibatada de 9 a 0 frente à seleção da Inglaterra, em Oxford. Já faz um tempinho, foi em 13 de Março de 1909, mas, não se diz que essas coisas de futebol são eternas, as glórias e os desastres, tudo não conta? No entanto, para os inconsoláveis com o naufrágio desse Titanic verde-amarelo do capitão Scolari vale a achega de São José de Anchieta, o apóstolo do Brasil: "Quem se verga em tristeza, em consolo se alarga: por ti, depõe do peito a dura sobrecarga!" E para os  brasileiros já tocados pela "síndrome de Estocolmo" resta torcer para que nossos algozes germânicos botem muito chucrutes no doce de leite dos hermanos argentinos: Deutschland, Deutschland über alles! ...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.