domingo, 13 de abril de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

O OLHAR AUTORITÁRIO

PAULO AFONSO LINHARES

Ainda insistindo na temática do autoritarismo entranhado na cultura política brasileira, neste momento em que o golpe militar de 1964 completa cinquenta anos, no primeiro de abril deste 2014, achei útil resgatar uma reflexão que fiz e publiquei, há mais de uma década, por sua atualidade.
Vejamos:
 Poucos povos tiveram o despropósito de constituir uma elite tão cruel, iníqua, atrasada, mesquinha e autoritária, quanto o povo brasileiro, nos últimos quinhentos anos de história da colonização européia. Isto sem mencionar que essa mesma elite já pontificava no velho reino de Portugal, mandando e desmandando, sobretudo, desde o século X de nossa era. Ela que não teve o mínimo escrúpulo de promover a escravidão das populações que aqui encontraram, nem tampouco de pessoas – populações inteiras – sequestradas de seus lares na longínqua África e trazidas nos infames navios negreiros para este novo mundo.
A herança ficou, perpassados os séculos. E a elite conservadora brasileira, para usar o modelo freyreano, jamais deixou de olhar o mundo senão a partir da “Casa-Grande”, visão que se projeta  para toda sociedade brasileira sob a forma de um enorme ranço autoritário que permeia as relações sociais. Aqui, as pessoas de todas as classes sociais acham normais as mais variadas manifestações da cultura do autoritarismo, seja no trabalho, na escola, no lar, nas ruas, nas igrejas e, sobretudo, no plano das relações políticos institucionais, inclusive naquelas de caráter bem sensível que contrapõem o Estado e o cidadão, quando este sempre perde, sempre paga a conta, sempre é submetido a toda sorte de humilhação e vilipêndios à sua dignidade, que redundam numa quase anulação de seu status de cidadania.
Na época da ditadura militar os generais costumavam falar que respeitariam o resultado das urnas, que cumpririam a Constituição etc., como se isso não fosse o seu dever. E não apenas eles, mas muitos outros segmentos da sociedade brasileira incorporaram esse olhar autoritário, seja nas relações de trabalho, no lar ou na esfera política. Como se a alteridade em si fosse uma ofensa somente porque não é mero reflexo do eu; o outro é sempre visto como perspectiva de confronto, nunca como a possibilidade da convivência, da cooperação e da construção solidária de um novo porvir. Útil mesmo é pensar, sim, como o pensador Bernanos: “Les autres, hélas! c’est nous”. Os outros, ah! somos nós.
Tem-se no ambiente da política um terreno fertilíssimo para experimentos autoritários, sejam acidentais ou cunho permanente. Essa cultura autoritária medra com inusitado ímpeto na esfera dos partidos políticos, apesar da visão associativista que esses entes ganharam no texto constitucional (art. 17, caput), quando diz que  “é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos (...)”. Assim, antes de ser considerado como o grande vetor das demandas políticas das sociedades contemporâneas, ao partido coube ser o biombo a ocultar as traquinagens  das elites brasileiras,  sempre e sempre, ademais da marca autoritária que preside as relações políticas que se travam no seu interior, agravada pela existência  do “caciquismo” de feição populista, ou pela apropriação das máquinas partidárias por oligarquias cuja dominação somente é possível pela força do clientelismo, pela distribuição de benesses às custas, em geral, do Erário Público. Em ambos o resultado é desastroso, porquanto somente serve para anular, diminuir e desmoralizar os partidos políticos e as instituições em geral.
   É possível um caminho inverso? Sim, os partido políticos, no Brasil, podem  (e devem) se construir como entes cujos controles se vinculem mais às decisões colegiadas da maioria do que à vontade (quase) soberana do chefete de plantão. Partidos não podem ter donos nem patrões. Com efeito, no Estado Democrático de Direito inaugurado pela Carta de 1988, não há mais lugar essas estruturas arcaicas de legitimação do poder que teimam na manutenção nostálgica desse modus autoritário de perceber a realidade e de nela intervir. Felizmente já passou esse tempo. 

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