domingo, 3 de fevereiro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares


A MEDIDA DA TRAGÉDIA
Paulo Afonso Linhares 
            Atingiu a marca de 266 o número de mortos no incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Um coquetel em que foram misturados o descumprimento das normas de segurança de estabelecimentos desse gênero, a estupidez de idiotas que entenderam de queimar fogos de artifício em ambiente fechado e com isolamento acústico composto de produtos altamente inflamáveis e a negligência das autoridades fiscalizadoras, notadamente o Corpo de Bombeiros Militar local e da Municipalidade santa-mariense. Sem dúvida toda a nação ficou chocada com o episódio e externou solidariedade às famílias enlutadas, que igualmente se enterneceu com as sentidas lágrimas da Presidente Dilma Rousseff. Um povo inteiro num mesmo pensamento, do Oiapoque ao Chuí.
            Entretanto, a despeito da excelente cobertura feita pelas mídias nacionais de grande porte, em especial as redes de televisão, fato é que se exagerou muito nas notícias sobre o episódio, como se esse fosse o único problema da nação brasileira, a ponto que tornou absolutamente enfadonha as revelações e os dramas coletivos e individuais sobre o caso. Como sempre, a Rede Globo deu sua contribuição na tentativa de extrair dessa tragédia todos os “dividendos” possíveis, tornando grotesco tudo o que passou a envolvê-la, transformando-a sem tirar nem pôr em genuíno circo de horror. Falar em circo, aliás, não é a toa que a diligente equipe de jornalismo global desencavou o triste episódio do incêndio do Gran Circus Norte-Americano, uma semana antes do Natal de 1961, que teve um saldo terrível de 500 mortos e 120 mutilados, para fazer comparações com o desastre da Boite Kiss.
            As pessoas entorpecidas pelo bombardeio dessas notícias perpassadas de enormes dramas humanos e de muito desespero, finda por não perceber que do mesmo modo que “a vida não se resume a festivais”, como disse o genial Vandré, a tragédia do Brasil não se resume a Santa Maria; é infinitamente maior e mais voraz por vidas humanas. Tragédia que está nos corredores infectos dos hospitais, maternidades e pronto-socorros, onde penam – e morrem!!! – tantos brasileiros, adultos, idosos e criancinhas. Quantos por dia? Difícil saber pois são estatísticas (macabras) que não interessam. Tragédia que é a seca que se abate sobre toda a população nordestina, espalhando um rastro de desesperança e dor: todas as soluções técnicas para com convivência com esse fenômeno climático já estão dadas há décadas, falta mesmo é vontade política para dar um ponto final nestes ciclos de morte e vida Severina. Como estão as obras da transposição das águas do Rio São Francisco para bacias fluviais do Nordeste setentrional? Caminha numa lentidão mortal, com aumento substancial dos custos dos diversos trechos das obras, aliás, quase todos paralisados, salvo alguns que ficaram a cargo da competente engenharia do Exército Brasileiro.
            O Brasil tem que ser pensado como um todo. Temos tragédias e tragédias; devemos enfrentá-las todas com a certeza, sobretudo aquelas que atingem todo o nosso povo, dos pampas gaúchos às tórridas caatingas nordestinas, porque mais do que um pavilhão auriverde, uma moeda, uma Constituição ou uma língua comuns, nos une um sentimento de que compartilhamos um destino comum, quem é a essência da nação brasileira.

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