sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Artigo de Paulo Afonso Linhares


A RAZÃO ATROPELADA

Paulo Afonso Linhares

Findo o julgamento em plenário do processo do Mensalão e a despeito de sequer haver ainda a publicação da decisão, já a "canaille" urra pela prisão imediata dos condenados. Depois de publicada a sentença no Diário Oficial, têm os condenados o direito dela apelar,  como é garantido a qualquer condenado criminalmente. Somente após julgada as apelações dos réus e quando dela não mais couber qualquer recurso - momento em que se opera a coisa julgada - inicia-se o cumprimento da pena imposta individualmente pelo STF aos condenados. Qualquer possibilidade de sair desse figurino será suprimir direitos fundamentais dos réus.

No esforço de manter  suas ações sob intenso bafejo midiático o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tem lançado mão de chicanas jurídicas dignas dos antigos rábulas de aldeia. Assim foi que, no começo da Ação Penal 470 (também conhecida como "processo do Mensalão") ele requereu fossem os réus condenados imediatamente presos. No entanto, na sessão final do julgamento desse processo e diante do interesse de alguns ministros do STF em discutir se essas prisões dos condenados seriam antes ou somente após o trânsito em julgado das decisões individualmente consideradas, cujos acórdãos sequer foram publicados até agora, Gurgel surpreendeu a todos com o pedido de desistência do requerimento antes formulado. Ficou mais do que evidente a sua tática: em face do recesso do STF a partir do dia 20 de dezembro, o procurador-geral da República renovaria o pedido para ser apreciado unicamente (ou "monocraticamente", como dizem os operadores do Direito...) pelo atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que, imagina o chefe do Parquet, concederia a medida mesmo antes dos réus  do Mensalão tomarem conhecimento das sentenças condenatórias, repita-se, ainda não publicadas.

Apesar da veemência das diatribes do ministro Joaquim Barbosa contra os réus do Mensalão, nos votos que proferiu, dificilmente ele se aventuraria no cometimento de uma ilegalidade dessa magnitude, mormente porque se evidenciou a intenção do Ministério Público de subtrair essa questão (da prisão ou não desses réus) da apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal que, segundo avaliação dos profissionais que cobrem as atividades daquele, votaria desfavoravelmente  à razão de 6 contra e 3 a favor (somente poderiam votar, neste momento apenas 9 ministros).

Ora, qualquer réu condenado criminalmente somente tem a execução de sua pena iniciada quando a sentença condenatória não couber mais qualquer recurso (quando se diz que a sentença está com "transito em julgado"). Sem a autoridade da coisa julgada ("autoritas rei judicata"), a execução da pena não pode ser implementada pois configuraria inafastável violação ao princípio (do contraditório) e da ampla defesa com os recursos a ela inerentes. Ressalte-se que os réus são primários e de bons antecedentes criminais, pelo que fazem jus a recorrer em liberdade, como ocorre com qualquer pessoa condenada crime punível com reclusão, ou seja, aquelas pessoas bem comuns, que não tem qualquer notoriedade.

O filósofo grego Epicuro de Samos  (341-270 a.C.) alude que "[...] A serenidade espiritual é o fruto máximo da justiça." E deve ser mais serena  a Justiça quanto mais importante for o tribunal que sob os seus desígnios atua. O Supremo Tribunal Federal há de ser, sempre e sempre, o grande azimute do Judiciário brasileiro, de modo que suas decisões sejam balizas para os tribunais e juízos inferiores. Dai não poder julgar sob o influxo da sedução da mídia, atropelando garantias constitucionais de todos os cidadãos, sob pena de se generalizar aquela ameaça  tão bem descrita em (sufocante) trecho do poema  "No caminho com Maiakovski" do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa (errônea e injustamente atribuído a Bertolt Brecht e/ou Vladimir Maiakovski): "Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor/do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem;/ pisam as flores,/ matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/rouba-nos a luz, e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada."  Serenidade e muita calma nesta hora.

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