Discurso e Prática
Heitor
Scalambrini Costa
Universidade Federal de
Pernambuco
O Brasil vai sediar de
20 a 22 de junho a Conferencia das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, com a presença de chefes de Estado e representantes de mais de 100
países. Paralelamente dos dias 15 a 23 ocorrerá a Cúpula dos Povos, reunindo a
sociedade civil organizada mundial.
Esperava-se que pelo
fato de ser o anfitrião deste evento, chamado de Rio+20, que acontece depois de
20 anos da reunião do Rio de Janeiro conhecida como Rio 92, que o governo
brasileiro articulasse e conduzisse esta reunião com a autoridade moral para
defender que o mundo revesse os padrões insustentáveis de produção e consumo, em
particular dos países ricos, responsáveis maiores da atual crise
ambiental.
Todavia o que se
constatou no último ano foi um retrocesso na agenda sócio ambiental do país, com
a aprovação do código florestal (mesmo com vetos), a redução de áreas de
unidades de conservação na Amazônia para atender a construção de grandes
hidrelétricas, a intervenção no Ibama reduzindo seu poder de fiscalização ao
sancionar a Lei Complementar 140, os atropelos das regras de licenciamento
ambiental, a subserviência inaceitável do Ministério do Meio Ambiente frente aos
ataques a sua competência constitucional. Também o país não está nem cumprindo o
"compromisso voluntário" de baixar as emissões de gases de efeito estufa em 39%.
Até aqui não cumpriu nenhum plano de redução das emissões nos 11 setores
industriais previstos. O próprio Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas só
recebeu R$ 5,1 milhões dos R$ 238 milhões que lhe seriam destinados.
Em contrapartida, para
efeito midiático com toda a pompa que a situação exige, e como cartão de visita
para os estrangeiros que virão para a Rio+20, o governo federal lançou no dia do
meio ambiente (5/6), as portas do inicio da Conferencia, um pacote de bondades
com relação à questão ambiental e direitos indígenas, que não trouxe nada de
novo, pois as medidas anunciadas já estavam engatilhadas. As medidas dizem
respeito à criação e ampliação de áreas de unidades de conservação (até então
nenhuma tinha sido criada no atual governo), homologação de terras indígenas,
ratificação de acordos internacionais (Protocolo de Nagoya e Convenção de Bonn)
e assinatura de decreto de “compras sustentáveis” (além do preço menor serão
levados em conta nas compras públicas produtos com menor impacto ambiental ao
longo de seu ciclo de vida).
Outra contradição
evidente é que o governo brasileiro tem difundido em fóruns internacionais,
utilizando um discurso pró-sustentabilidade, que seja contida à produção e o
consumo insustentáveis. Mas dentro de casa a ação é completamente diferente,
contrária ao discurso “para inglês ouvir”. Medidas internas têm sido tomadas
tentando acelerar a economia do país estimulando a indústria automobilística e
um meio de transporte de cargas (o caminhão) que são opostos de sustentáveis
(consomem freneticamente recursos naturais, rodam com combustíveis fósseis
subsidiados, torna a vida nas cidades um inferno). Na verdade o governo age com
dupla personalidade.
Ao mesmo tempo em que
lança a versão brasileira do relatório Povos
Resilientes,
encomendado pela ONU, que faz recomendações aos governos no rumo de um mundo
sustentável, orientando a divulgarem de maneira transparente todos os subsídios,
e identificando e sugerindo a eliminação daqueles subsídios que provocam maiores
perdas dos recursos naturais, ambientais e sociais; anuncia mais um presentão
para a indústria automobilística. Libera recursos da ordem de R$ 1,2 bilhões
para as montadoras, R$ 18 bilhões de compulsório para aumento do financiamento
de veículos, reduz o IPI para carros de até mil cilindradas até quase zero, e
cria condições de mãe para filho para a compra de ônibus e caminhões com juros
passando de 7,7% para 5,5% ao ano (é quase juro negativo) e com prazo de
financiamento dilatado de 96 meses para 120 meses. Como dizem as autoridades
econômicas, a ideia do pacote é “bombar” a economia estimulando o consumo por
meio da ampla oferta do crédito a juros menores. O setor automobilístico é o
mais beneficiado por estas medidas, pois tem o lobby mais poderoso, detendo 20%
do PIB industrial brasileiro (terceiro maior mercado mundial).
Isso tudo sem dúvida
enfraquece a posição do Brasil de cobrar ações dos países ricos nas negociações
internacionais. Mas, muito mais grave, sinaliza que a trajetória de
crescimento/desenvolvimento a que o país aspira de verdade, que pouco tem a ver
com a reorientação fundamental da produção e do consumo, e o respeito ao meio
ambiente.
Enquanto premia indústrias dos séculos 19 e 20 com os
sucessivos pacotes de desoneração, o governo sufoca as do século 21, cortando em
22% as verbas da ciência e tecnologia, dificultando assim que o país tenha uma
politica industrial voltada para as energias renováveis solar e eólica,
implicando que sejamos meros compradores destas tecnologias desenvolvidas pela
China e Alemanha. Este é o Brasil, cujo governo fala uma coisa e age no sentido
oposto. Discursos não resolvem crises.
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