domingo, 28 de agosto de 2011

Artigo de Paulo Afonso Linhares


MUITO ALÉM DO RAZOÁVEL

Paulo Afonso Linhares

            Muito tocante, posto que jocosa, a frase dita recentemente pelo mais do que centenário arquiteto Oscar Niemeyer, esse mito (ainda) vivo da civilização brasileira: "Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá, foi como criar um lindo vaso de flores prá vocês usarem como pinico. Hoje eu vejo, tristemente, que Brasília nunca deveria ter sido projetada em forma de avião, mas, sim, de camburão". Tem razão o velho lutador das causas do povo brasileiro, pois é altíssimo o nível de degradação que atinge os altos escalões da República. Embora não goste de ser chamada de “faxineira”, de que não está a fazer tal “faxina ética” no ministério, a presidente Dilma parece não ter disposição de usar o belo jarro de flores como penico, nessa salada geral em que se transformou a política brasileira. E não para por ai. Algumas coisas que ocorrem neste país, na política, que são difíceis de acreditar.
            O mais grave é que a degradação política e ética não ocorre apenas no nível da elite, mas, encontra-se fundamente instalada no corpo da sociedade brasileira. Veja-se o exemplo da sociedade nordestina, sobretudo nas áreas mais remotas do sertão, cada vez mais permeável à invasão (do lixo) cultural que escorre tanto pelas telas das TVs quanto mesmo pela Internet. A banalização de certas práticas sociais e a tolerância com o crescimento do tráfico de drogas, impõem novos perfis às comunidades sertanejas onde hábitos seculares são abandonados, outros jazem mesclados com motivos alienígenas muitas vezes incompatíveis com a cultura e até mesmo com fatores ambientais da região semi-árida. Bem ilustrativo dessa inadequação é o caso daquela jovem senhora que, numa festa em que seu marido inauguraria um novo empreendimento lá estava ela a envergar pesado casaco de peles que era capaz de aquecer mesmo um esquimó no rigoroso inverno ártico, enquanto ali na festa a coluna de mercúrio do termômetro escalava o trigésimo grau da escala de Celsius.
            O colonialismo cultural do “sul maravilha” é mais que evidente. Com efeito, sob o influxo do processo de globalização padrões estéticos, culinários e até lingüísticos atropelam as tradições locais e “pasteurizam” o modo de ser dos povos da caatinga. E já não se ouve o bom baião de Gonzaga, de Dominguinhos, os experimentos musicais de um genial Sivuca, ou os xaxados de Marinês e de Jackson do Pandeiro. Esses sons tão nordestinos não passam de vagas lembranças em nossos ouvidos. E isto não é nenhuma crise de passadismo, mas, a constatação da perda de traços importantes de cultura sertaneja.
            Há práticas que iniciam sem que se saibam os porquês. Algumas chegam a ser hilárias, a exemplo dos carros de som que, em muitas cidades do interior nordestino, anunciam velórios. Hoje é comum vê-los a anunciar que “fulano faleceu às tantas horas e os parentes e amigos são convidados para o velório que está acontecendo em tal local e o sepultamento ocorrerá...” Incrível é como essa prática se generalizou, do mesmo modo como, nas dentaduras postiças que adornam os sorrisos sertanejos, brilham esses aparelhinhos metálicos que primitivamente serviam para correção ortodôntica. Bem, todo esse embananamento parece ter a mesma raiz do problema crucial, posto por Niemayer, de se querer usar como penicos bonitos jarros de flores. 

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